Páginas e jornais compartilhados

Cecília Costa

16/5/2008

Estive, recentemente, na Cobra Tecnologia, a empresa que foi criada quando os técnicos de informática do País ainda sonhavam com o desenvolvimento de computadores made in Brazil. O sonho foi por água abaixo, com o fim da reserva de mercado, mas deixou sementes valiosas. Todo um conhecimento acumulado que hoje resulta numa geração de criativos pesquisadores, professores universitários e processadores de programas de informática, amantes e defensores radicais do software livre. Atualmente, a Cobra é controlada pelo Banco do Brasil e um dos seus trabalhos é arquivar todos os cheques emitidos e pagos por este grande banco estatal, por motivos de segurança. E também para potenciais fins jurídicos. Duas mil pessoas trabalham Brasil afora, em todas as agências do BB, cuidando da digitalização e arquivamento de cheques, assim como da manutenção e suporte dos computadores e caixas eletrônicos da instituição.

O jovem João Cassino, jornalista que enveredou pelos segredos e mistérios do admirável mundo digital, é Gerente de Divisão da Cobra Tecnologia. Ele tem uma paixão, a Web 2.0. Ou seja, a generosa internet da colaboração e do compartilhamento. Aquela, como ele mesmo explica, em que o conteúdo não é doado pelas empresas de mídia, provedoras da rede das redes no Brasil, mas na qual o usuário é o criador de conteúdo. O autor. Criando blogs ou participando gratuitamente de milhares de páginas feitas em cooperação, tanto em nosso País como em todo o nosso planeta azul, tão devastado e machucado pelos maus-tratos dos pretensos seres inteligentes, que dele deveriam cuidar com carinho.

João Cassino crê que esta nova forma de se apropriar da internet, como protagonista atuante e não apenas um passivo usuário ou receptor de informações, é democrática e revolucionária, e tende a crescer ainda mais. Tornando ainda mais presente em nossas vidas o avassalador compartilhamento de páginas, textos, opiniões, músicas, vídeos, fotos e até mesmo jornais e criações literárias. Pois já existem livros feitos de forma colaborativa, alguns deles best-sellers, como é o caso de “O caçador de hereges”, obra literária feita em conjunto por escritores internautas de Bolonha, publicada no Brasil pela Conrad em 2002.

Logicamente, quando pensamos em trabalho autoral, pensamos em blogs. E quando pensamos em interação e trabalho coletivo, vem logo à nossa mente a Wikipedia, uma enciclopédia aberta, escrita voluntariamente pelos usuários da grande rede. Para provar a sua força, mostrar o quanto ela deu certo, João lembra que uma enciclopédia tradicional, uma Britânica, por exemplo, criada nos moldes desenvolvidos no século XVIII pelos iluministas franceses, tem hoje cerca de 180 mil a 200 mil verbetes. Quanto à Wikipedia, com apenas cinco anos de vida, já tem 2 milhões e 371 mil verbetes, em inglês, além de artigos. Na França, o número chega a 654 mil; na Alemanha, a 745 mil; e, no Brasil e demais países de língua portuguesa, já estamos com 376 mil artigos.

Há erros, é claro. Erros, debates e discussões nas páginas da Wiki. Mas o volume de erros é pequeno em relação ao número enorme de informações corretas oferecidas por essa incomensurável enciclopédia digital, livre e aberta. Eu mesma sou uma grande usuária da Wikipedia. Ajuda-me muito a diminuir meus erros em textos, a respeito de nomes e datas, fora ser um ótimo instrumento de pesquisa ou de complementação de pesquisas.

Mas se a Wiki é a primeira idéia que nos vem à cabeça quando pensamos nos produtos criados através da colaboração e do compartilhamento possibilitados pela Web 2.0, trata-se na realidade de somente uma das pontas deste imenso e luminoso iceberg, apesar de ser, sem dúvida, uma das pontas mais agudas, argutas e brilhantes. Em apenas poucos minutos, navegando em sua tela, João Cassino me apresentou a algumas outras páginas democráticas ou domínios, mais ou menos conhecidos.

Claro, todos já conhecemos o YouTube e as páginas que facilitam o relacionamento e a amizade, como o Orkut e Hi5, chamadas também de redes sociais.
Por outro lado, de uma forma ou de outra, já ouvimos falar daquelas que oferecem discos e músicas grátis, como a Jamendo. Se entrarmos na página da Jamendo, verificaremos que, no momento, estão disponíveis, gratuitamente, para o maravilhamento de nossos ouvidos, mais de 9 mil álbuns criados por mais de 5 mil artistas. Os comentários e resenhas sobre os álbuns chegam a 56 mil. E o número de usuários ativos já atinge os 335 mil. Não há razão para temer represálias jurídicas, quando se baixa os arquivos. A Jamendo tem a proteção jurídica da CreativeCommons, o que garante o download dos arquivos de forma gratuita e sem proteção de direitos autorais.

Para quem gosta de fotografia, existe também uma página compartilhada de fotos, a http://www.fotopages.com/, que vale a pena ser visitada. Há participantes de países dos cinco continentes do planeta, exibindo seus olhares e visões muito particulares da espantosa realidade que nos circunda.

Para quem quer estar a par das novidades da informática, a página a ser visitada é a http://slashdot.org/, um jornal também aberto em que os especialistas em internet, microeletrônica, microprocessamento, telecomunicações e ciência costumam publicar gratuitamente seus artigos. De certa forma, a Slash, cujos temas tratados na realidade vão além, muito além, das novidades na informática e tecnologia da informação e conhecimento, inaugurou uma nova forma de jornalismo cooperativo, abrindo uma trincheira pioneira que deu ótimos frutos.

Durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, aquele fórum alternativo que era realizado exatamente quando ocorria o fórum empresarial em Davos (Suíça), como todos os participantes podiam fazer pronunciamentos ou intervenções — o que tornava a cobertura jornalística uma tarefa impossível, já que eram milhares — foi decidido que cada interventor poderia atuar também como jornalista independente. Fazendo ele mesmo a cobertura de sua palestra. E, posteriormente, pondo sua matéria na página-jornal do Fórum. Esta página existe até hoje — chama-se Ciranda Internacional de Informação Independente, sendo constantemente atualizada com novas colaborações. Dê uma olhada no seguinte endereço, em português: http://www.ciranda.net/spip/?lang=pt_br.

Mas o melhor de todos, para nós jornalistas, a cereja do bolo são os jornais compartilhados, abertos. E, obviamente, sem dono a ditar regras e restrições de pautas. Onde todos podem colaborar, escrever matérias. Uma ótima idéia a ser aplicada no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, onde os jornais encolheram, reduzindo-se a um número pífio, vergonhoso. E pensar que o Rio já teve mais de 30 jornais nos tempos românticos dos anos 50, época da modernização da imprensa no Brasil… Um bom exemplo indicado por João Cassino é o jornal OhmyNews, da Coréia do Sul, considerado uma revolução na cultura de produção de matérias jornalísticas. Logo na página de registro, temos um desafio: “Welcome to the revolution in the culture of news production, distribution, and consumption. Say goodbye to the backwards newspaper culture of the 20th century.” Ou seja, o OhmyNews nos convida a abandonar para sempre o jornalismo de conteúdo privado e oligopolista do século XX. Entrem na página http://english.ohmynews.com/member/member_step1.asp, registrem-se.

E sonhem comigo. Que tal fazermos um dia um jornal independente, na internet? Um jornal muito carioca, do qual todos nós, jornalistas quixotescos, pudéssemos participar? É claro que nada substitui o papel. Nem em livro nem em folhas ou gazetas. E se o nosso jornal sem dono vier um dia a dar certo, assim como ocorreu com o Ohmy, poderá, talvez, futuramente, vir-a-ser produzido em papel. O mundo está duro de agüentar. Mas nada nos impede de sonhar. Sem sonhos, enlanguescemos, morremos. Ou pelo menos nos petrificamos, embasbacados com a loucura que parece vigorar neste nosso terceiro milênio, tão violento e competitivo.

Um bom fim de semana para todos. Eu, jornalista e leitora da velha mídia, estou a me deliciar com “Uma história da leitura”, do Alberto Manguel. Mas não me recusaria, é claro, a participar um dia de um jornal midiático independente, do qual todos os desempregados e visionários profissionais da pena pudessem participar. Com o auxílio, quem sabe, de João Cassino, o rapaz que adora a generosidade do compartilhamento. Tanto que ele gostaria que neste jornal ainda hipotético, caso viesse a ser feito um dia, houvesse também matérias feitas em conjunto. Como um artigo da Wikipedia. Não somente a quatro mãos, como costuma acontecer às vezes na redação dos jornais tradicionais. Mas a muitas, muitas mãos. Criativas. Inteligentes. Inquietas. Investigativas. Amantes da informação.

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Fonte: http://www.abi.org.br/colunistas.asp?id=836

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